Direito à Privacidade na Era Digital
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Direito à Privacidade na Era Digital


Conceituar o termo privacidade não é uma tarefa fácil, levando em consideração o pluralismo sócio cultural onde não há um consenso sobre o tema, todavia, é importante almejar essa definição.


O jurista Celso Bastos conceitua privacidade como a “faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos em sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano”.


Em um breve histórico, em 1948, a ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que visa à garantia do direito à vida privada. Posteriormente, outros pactos e convenções internacionais reforçaram a proteção desses direitos.


Artigo 12. Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.


No Brasil, a primeira vez em que se falou, especificamente, do direito à privacidade foi na Constituição de 1988, assim em artigo 5º, inciso X tratou de proteger a privacidade:


Artigo 5 º

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.


Nos termos da Carta Magna, o direito à privacidade é aplicável no sentido amplo que pode abranger todas as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade das pessoas.


Repara-se que o termo intimidade e privacidade estão relacionados, mas apesar disso esses termos fazem referências as esferas sociais diferentes. Enquanto a intimidade diz respeito às relações mais próximas do indivíduo; a privacidade diz respeito à relação do indivíduo com a sociedade de uma forma geral, contudo não há nenhuma uniformização doutrinária ou legislativa quanto a diferenciação apresentada. Porém, cabe dizer, que o direito à privacidade é mais amplo e engloba a própria intimidade.


Ainda, importante mencionar que, o antigo Código Civil de 1916, não continha, a proteção clara e expressa à privacidade que só venho com o Código Civil de 2002, quando ele tratou de reconhecer e assegurar esse direito. Vejamos:

Artigo 21 A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.


Além disso, a Lei de Imprensa foi o primeiro diploma legal a garantir indenização pelo dano moral, garantindo a proteção ao direito à privacidade das pessoas.


2.1 O Direito à privacidade e o Avanço Tecnológico


O direito à privacidade está conectado, quase que interligado com as tecnologias da informação, por isso a privacidade é um dos temas mais ecoados diante ao avanço tecnológico.


Nos dias atuais, ocorre o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação sem precedentes na história do mundo. Essa evolução trouxe muitos benefícios para a sociedade, no entanto, trouxe algumas preocupações com a privacidade. Certo é que a privacidade dos indivíduos pode ser violada de diversas formas, sendo que as violações mais comuns acontecem no ambiente virtual.


Na era digital (internet, e-mail, WhatsApp e outras redes sociais), existe um constante choque entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade, já que as pessoas estão conectadas 24 horas e podem divulgar informações com uma velocidade nunca jamais visto, atingindo um número incontrolável de destinatários.


Com esse avanço tecnológico, houve a necessidade de regulamentação e, assim foi promulgada a Lei 12.965 de 2014, mais conhecida como Marco Civil da Internet. Essa lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, além de resguardar a privacidade dos usuários.


E a partir de agosto de 2020 entrará em vigor a Lei nº 13.709/18 (Lei de Proteção de Dados – LGPD) que regulamenta a política de proteção de dados pessoais e privacidade, alterando, por sua vez, a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet), mencionada acima.


Diante das constantes inovações é imperiosa a implementação de novas leis para proteger a privacidade, a intimidade, a honra e a imagem das pessoas no ambiente digital, prevenindo ou tentando prevenir a violação do inciso X, do artigo 5° da Constituição Federal.


2.2 A era digital, o contrato de trabalho e o direito à privacidade

E nesse avanço tecnológico, após a internet, messenger e e-mail, eis que surgi o WhatsApp. Que segundo Wikipédia é:

“um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones. Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e documentos em PDF, além de fazer ligações grátis por meio de uma conexão com a internet. ”


Pois bem, atualmente, essa é a principal ferramenta para muitas pessoas se comunicarem com familiares e amigos. Mas com essa facilidade surge uma nova perspectiva: as relações de trabalho. O seu uso pode ser benéfico para trabalho, funcionando como um dos meios mais baratos e rápidos para comunicação corporativa.


Como não poderia ser diferente, há o uso e há o abuso, e tudo acontece muito rápido e a legislação, ainda, não está adaptada a uma mudança dessa natureza, inclusive, cabe mencionar que a recente Reforma Trabalhista, teve a oportunidade de tratar, especificamente, desse assunto, mas deixou de tratar.

Em virtude de o WhatsApp ser uma ferramenta facilitadora e conectar as pessoas por 24 horas, passou, também, a ser usada de modo desenfreado, por alguns empregados e empregadores. Por isso, cabe a Justiça do Trabalho suprir essa lacuna que a Reforma Trabalhista deixou de regular e combater o excesso de trabalho, impondo os limites necessários para a questão.


Destarte, a troca de mensagens fora do horário de trabalho invade a privacidade, a vida privada da pessoa, pois ao receber uma mensagem do seu empregador fora do seu horário, mesmo que possa ser respondida posteriormente, ela por si só, traz aflição, intranquilidade, pressão psicológica, angústia e agonia ao trabalhador, que acaba se preocupando com situações de trabalho fora do seu horário.


É inegável que condutas como estas extrapolam os limites aceitáveis do exercício do poder potestativo do empregador e acabam ferindo o princípio da privacidade (art. 5°, X da CF), assim, devem ser punidas.


É fato que é difícil desconectar-se, já que WhatsApp está ligado sempre, 24 horas como já dito, mas é fundamental que as empresas estabeleçam regras acerca da utilização do aplicativo, a fim de não violar a privacidade de seus empregados e, inclusive, evitar reclamações trabalhistas com pedidos de horas extras ou, mesmo, dano moral.

E neste sentido temos a seguinte jurisprudência:



RECURSO DE REVISTA DO EMPREGADO. PROCESSO SUBMETIDO À SISTEMÁTICA DA LEI 13.467/2017. DANOS MORAIS. COBRANÇA DE CUMPRIMENTO DE METAS FORA DO HORÁRIO DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. O TRT consignou que “[a] utilização do Whatsapp para a cobrança de metas, até mesmo fora do horário de trabalho, ficou evidenciada” – pág. 478. Condutas como esta extrapolam os limites aceitáveis no exercício do poder potestativo (diretivo do trabalho dos empregados) pelo empregador, gerando ao trabalhador apreensão, insegurança e angústia. Nesse contexto, embora o Tribunal Regional tenha entendido pela ausência de ato ilícito apto a ensejar prejuízo moral ao empregado, sob o fundamento de que não havia punição para aqueles que não respondessem às mensagens de cobrança de metas, é desnecessária a prova do prejuízo imaterial, porquanto o dano moral, na espécie, é presumido (in re ipsa), pressupondo apenas a prova dos fatos, mas não do dano em si. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e provido.

(TST-RR-10377-55.2017.5.03.0186, Relator: Alexandre Agra Belmonte, Data do julgamento: 17/10/2018, 3 Turma, data da Publicação: DEJT 19/10/2018)


2.3 Os limites do poder de fiscalização do trabalho


No cenário de pandemia em que o mundo se encontra a questão econômica do país segue lado a lado com a saúde pública, pois, a OMS (Organização mundial da Saúde) orienta aos países a permanecerem em isolamento social com o intuito de conter a disseminação do vírus.


O isolamento social vem causando grande impacto na relação de trabalho e principalmente na economia do país trazendo consigo uma necessidade de readaptação nas formas de trabalho.


Uma das formas mais eficazes perante a crise foi a implementação do teletrabalho pelas empresas como uma forma de se evitar a falência e o desemprego.

O teletrabalho é uma das modalidades de trabalho a distância mais utilizadas em todo o mundo nesse período de isolamento social e se dá através de meios tecnológicos de comunicação e informatização.


Podemos enfatizar que a caracterização da subordinação da relação de emprego no teletrabalho se constata na utilização desses equipamentos e ferramentas tecnológicas que interligam o empregador ao empregado. E até onde vai essa subordinação?


Precisamos estar atento quanto a subordinação na relação empregado x empregador, porque muito se confundem quanto a pessoa e a forma da prestação de serviço.


A subordinação deve ser quanto ao exercício da atividade e não em relação a pessoa do trabalhador. Essa subordinação é uma forma de controle da empresa sob o empregado, contudo esse poder fiscalizador não é ilimitado, e os preceitos fundamentais da dignidade humana, tais como a intimidade e a privacidade devem ser sempre resguardados (art. 5, CF, X)


Sabemos que o empregado se submete as prerrogativas de fiscalização contida em legislação trabalhista, que são de: direção, disciplina e regulamentação, mas esse poder controlador pautados em ordenamento jurídico deve se dar com cautela, respeito e resguardar a vida familiar, sexual e suas convicções políticas e religiosas.


Os meios de comunicação e informática estão a todo vapor avançando no tempo e criando meios de fiscalização do trabalho virtual com seus mais avançados softwares. Será que a privacidade e a intimidade do trabalhador não estaria sendo atingida quando essas ferramentas que controlam a produção, a jornada de trabalho, gravação de reuniões, etc. ?


É imprescindível que as ferramentas e equipamentos de trabalho sejam fornecidas pela empresa, mas devido a pandemia muitas empresas foram pegas desprevenidas e não forneceram tais ferramentas de trabalho.


Sendo assim, ressaltamos a vulnerabilidade do empregado que se utiliza de seu próprio equipamento de informática para exercer sua atividade de trabalho acessando software da empresa via internet ao mesmo tempo que contém em seu equipamento documentos, imagens e e-mails pessoais.


Salientamos que a fiscalização ao empregado consta na legislação trabalhista e que na Carta Magna se resguarda a dignidade do ser humano. Sendo assim, percebemos que conflitos irão surgir e aos poucos iremos nos adaptar as novas situações.


2.3 O Direito da privacidade e o enfrentamento do Coronavírus


Nessa altura, todos, senão à grande maioria, estão vivendo os impactos da pandemia, seja nas relações do trabalho, do comércio, da saúde, das empresas, na sociedade mundial como um todo.


Para tanto, inicialmente, foi publicada a Lei 13.979/2020, conhecida como “Lei Coronavírus”, essa norma positiva medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.


Destarte essa Lei prevê a título de exemplo a quarentena, o isolamento, a determinação de realização compulsória de exames, testes, coleta de amostras, a requisição administrativa de bens, e a dispensa temporária de licitação. E ainda estão previstas, o compartilhamento de dados pessoais com a administração pública, conforme artigo 6º da Lei 13.979/2020:


Art. 6º É obrigatório o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus, com a finalidade exclusiva de evitar a sua propagação.


Nesse passo, a Lei 13.979/202 estabelece um dever de compartilhamento entre os órgãos e, ainda, essa obrigação se estende a todas as pessoas jurídicas de direito privado quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária (Art. 6º, § 1º).


Diante disso onde fica o direito à privacidade do titular?

Analisando sob o ponto de vista legal, não haveria, em tese, qualquer violação aos direitos do titular, uma vez que há um dever de compartilhamento obrigatório expresso em lei, conforme mencionado. O tratamento de dados sensíveis com vistas ao cumprimento de uma obrigação legal é dessa forma justificado, no âmbito da LGPD (Lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados, a ter eficácia a partir de 16 de agosto de 2020).


Nas relações de trabalho, em tempos de Coronavírus o home office ou teletrabalho é uma das maneiras que as empresas e empregados estão se valendo nesse momento de extrema preocupação para com a saúde da população.


Mas cabe mencionar, que Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) se aplica também, no contexto corporativo, aos funcionários que trabalham na modalidade home office. Assim, para se evitar a violação da privacidade e diante da dificuldade de fiscalização, há a necessidade de implantação de protocolos de regras para se trabalhar fora da empresa.


Conclusão


Ninguém será sujeito a interferências em sua vida privada, sem a devida consequência. Portanto, toda pessoa tem direito à proteção contra qualquer interferência à sua privacidade.


E para finalizar, já dizia Robert Alexy: “quanto maior for a intervenção num determinado direito, maiores terão que ser os motivos que justifiquem o afastamento desse direito”.


Bibliografia

1.RIBEIRO, Bastos Celso. Curso de direto constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000.

3. Constituição Federal Brasileira.

4. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. SP. LTR 2010

5. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. SP . Saraiva 2014

6. Lei 13.709/18 (Lei de Proteção de Dados – LGPD).

7. Lei nº 12.965/14


Autoras:


Lenise Christiane Marques Rabelo. Advogada trabalhista, atuante em Campinas e Região. Gradou-se pela Universidade São Francisco, em Bragança Paulista e possui pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie. Também, é Conciliadora e Mediadora habilitada junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


Cibely Magnabosco de Freitas. Empresária, Advogada pelo escritório CMF, advogada conveniada com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo , Consultora Trabalhista, Membro efetivo da Comissão de Direito Previdenciário Penha de França/SP com Pós graduação em Direito Público e Privado e MBA em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.


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